terça-feira, 6 de janeiro de 2009

A SUBALTERNIDADE REINVENTADA: pensamento fronteiriço no cotidiano de adolescentes e jovens em situação de rua na cidade do rio de janeiro

A SUBALTERNIDADE REINVENTADA: pensamento fronteiriço no cotidiano de adolescentes e jovens em situação de rua na cidade do rio de janeiro

Paula Vargens

Pivete, moleque, menor, trombadinha, nos diversos espaços por onde transitam, adolescentes e jovens em situação de rua encontram contradições, possibilidades e limitações de liberdade, diversos tipos de violência e de discriminação social. Mesmo instituições destinadas ao seu atendimento reproduzem uma discriminação velada que reifica um lugar social identificado pela falta, pelo que não possuem, existindo pouco espaço para uma percepção fora de categorias penalizantes – que os concebe ou como bandidos a serem punidos, ou vítimas a serem salvas (Barría, 2007). As práticas desenvolvidas a partir desta perspectiva acabam por reproduzir a mesma lógica, negando saberes e culturas dos que se encontram em situação subalternizada, colocando-os, como objetos, despidos de subjetividade, num sistema que os identifica como um outro ao que se nega o reconhecimento enquanto sujeito.
Nesse sentido, os autores do pós-colonialismo (Dussel, Quijano, dentre outros) nos trazem importantes elementos para a reflexão. Compreendem que a forma pela qual nos organizamos socialmente é fruto de um processo de colonização e que a própria lógica pela qual construímos nossas reflexões é decorrente de um sistema-mundo. Nossa racionalidade é baseada, assim, em uma concepção que define os conquistadores e os conquistados, o bem e o mal, sendo necessária a presença de um para a existência do outro.
A chamada ciência moderna se desenvolve com base na suposição de uma neutralidade e universalidade do pensamento. Desenvolvida sob uma matriz epistemológica que, segundo Grosfoguel (2008), parte da presunção de ser o “olho de Deus”, coloca as “descobertas científicas” como verdades únicas, neutras e universais. Observa-se ainda um processo de objetivação do sujeito, expropriando-o de sua humanidade. Aquele que detém o conhecimento estuda seu objeto, aquele que sabe leva o saber ao outro.
Herdeira da tradição do pensamento moderno clássico – eurocêntrico - as instituições educativas tendem a se estabelecer como espaço do conhecimento, reafirmando a concepção da existência de apenas uma cultura, um saber, de forma tal que a cultura e os saberes adquiridos na trajetória de vida dos adolescentes e jovens em situação de rua, por exemplo, não são considerados válidos. O educador fica, nessa perspectiva, em uma posição hierarquicamente superior (e no caso daqueles que estão em situação de rua ainda mais, visto que nesta lógica a diferença comparativa entre a cultura que trazem e a cultura hegemônica é maior) reproduzindo toda uma lógica da dominação e da subalternização. O trabalho realizado por escolas, organizações da sociedade civil, acaba, assim, por ser concebido no sentido de viabilizar meios para que esses jovens se apropriarem dos saberes da cultura hegemônica pregando um discurso ilusório, vez que o próprio imaginário de civilização ocidental não comporta o fim da subalternidade.
A ação junto aos adolescentes e jovens, ou para eles direcionada, tende a negar sua fala e, consequentemente, não há espaço para que se identifiquem e coloquem suas leituras da sociedade. No mesmo movimento de negação de suas subjetividades, seus saberes “perdem a importância”, são colocados de lado, não sendo possível, porém, apaga-los: as experiências de vida que acumulam lhes possibilitam leituras de mundo e modos de estar no mundo desde o seu ponto de vista e para além dos estigmas que lhes recaem.
Parece-nos, entretanto, que, assim como qualquer ser humano, estes jovens possuem suas formas próprias de estar no mundo, estabelecem relações com a sociedade e seus diferentes atores, e é no embate entre os olhares penalizantes e as suas próprias percepções e vivências, que leituras e re-leituras do seu estar no mundo vão sendo construídas; identidades, culturas e saberes criados e re-criados. Apropriam-se do espaço das ruas deixando marcada sua presença, sua existência. Se a sociedade, através da cultura hegemônica busca escondê-los e/ou criminalizá-los, por outro lado eles vêm se apresentar ao mundo – seja pelo silêncio de quem passa e os teme, seja pelo barulho da polícia, por suas brincadeiras, pelo o que vendem, ou por todas as formas de interação com a sociedade. A possibilidade do diálogo passa assim, também, pela revalorização dos saberes subalternizados, os das mulheres, dos negros, dos povos originários da nossa América, dos homossexuais, dos “meninos de rua” na busca pela construção de outros caminhos.

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